terça-feira, 7 de junho de 2016

Quem é a mulher guerreira?

Nas redes sociais e pela internet é comum ver comparações acerca do comportamento feminino, sobre o modo correto de se buscar direitos e de "ser guerreira".



Ao lermos sobre feminismo nos deparamos com dois tipos distintos: feminismo da igualdade e feminismo da diferença, o primeiro visa direitos sociais e privados iguais aos dos homens, visando ampliar o acesso às mesmas oportunidades dos homens às mulheres, o segundo foca mais no valor das peculiaridades femininas como a capacidade de gerar uma vida e de nutrir, contato inevitável com a natureza, o que se vê no ciclo menstrual, por exemplo, já que este leva  a mulher conectar-se com seu corpo periodicamente.

É importante ressaltar que ambos os movimentos são importantes, porém nas últimas décadas o feminismo das diferenças tem crescido em debates e opiniões, como algo a receber importância. Vale lembrar que o feminismo das diferenças não coloca os ciclos naturais do corpo feminino como objetivo maior, romantizando-os e afirmando que são os únicos possíveis de tornar uma mulher completa. Como afirmou Beauvoir, ser mulher é uma construção, não algo pronto e delimitado. A mulher não nasce para  completar-se  através de um filho, de uma gravidez, de uma casa limpa e organizada, já nasce completa e a  libertação de dogmas e de ideias rígidas  possibilita  construir o próprio destino.

Diante de diversas concepções acerca da feminilidade e até mesmo da figura da mulher forte, quem é ela?  Pelas diversas mitologias e religiões do mundo existem tipos de deidades femininas que podem ser divididas em quatro grupos: as donzelas, as mães, as anciãs e as “mulheres sombrias”. A mulher forte pode estar em todas elas, pois todas enfrentam batalhas e desafios que levam ao desenvolvimento.

A mulher forte pode ser não apenas aquela que ocupa múltiplas tarefas, que é mãe, esposa, profissional e que se cuida. Na verdade essa afirmação surge mais como um imperativo hoje do que é ser mulher, trazendo uma carga pesada e idealizada. Ao contrário disso, a mulher forte pode ser aquela dona de casa que cuida do lar, do marido e dos filhos; pode ser aquela avó que gosta de assistir televisão e de cozinhar, pode ser aquela mãe adolescente; pode ser a mulher que não quer ter filhos e que cuida da vida profissional. Todas essas mulheres enfrentam desafios e têm seu valor, devem ser reconhecidas pelos desafios que enfrentam rumo ao amadurecimento não só individual, mas daqueles que a cercam.

Nossa cultura ainda tende a caracterizar alguns comportamentos apresentados pelas mulheres como  repulsivos,  e estes na verdade provocam estranheza diante de uma figura rígida da feminilidade, figura esta que domina a opinião da maioria das pessoas: mostrar os seios nas manifestações, ser agressiva no trabalho, ter dois ou mais parceiros sexuais, não desejar filhos, não gostar de trabalho doméstico, etc.  A “mulher sombria” é aquela que é negada, reprimida pela cultura em que está inserida, apresentando comportamentos que não são aprovados. Essa mulher amplia o repertório da identidade e da sexualidade das mulheres, é ela que sofre acusações,  e é ela que é muitas vezes  transformada em bode expiatório de um problema coletivo com determinado tabu ou proibição.

Mulher forte é aquela que trabalha o dia todo ou que sustenta a família, mas também é aquela que grita nas ruas por mais liberdade.  Seja dizendo docemente ou gritando, a mulher hoje deseja ser ouvida, ter voz e ser legitimada. Infelizmente, durante os últimos tempos a história das mulheres ficou nas sombras da dos homens, mas os movimentos feministas têm permitido que sua  voz não tenha mais que passar pela dos homens.

Determinadas características têm sido atribuídas, no decorrer da história, às mulheres  que tem algo a dizer: passam pela doença mental, problemas emocionais, emotividade excessiva que prejudica o senso crítico, problemas hormonais que afetam o juízo, instintos como os da maternidade, que impossibilitam que  o rumo de suas histórias fossem diferentes, problemas espirituais (como pactos com demônios e entidades), tendência à maldade e ao pecado de nascença, imperfeição física comparada ao homem, etc . Todos esses argumentos foram fortemente utilizados na construção das origens epistemológicas (premissas, argumentos teóricos) da Medicina, do Direito, da religião, chegando ao senso comum, ao conhecimento geral.

Independente de apresentar comportamentos e ideias que desafiam uma cultura ou não, a mulher forte é  toda aquela que de alguma forma resiste pelo que acredita, que tem o desejo de continuar,  e resistir e persistir é algo pessoal demais para ser generalizado.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Para quem não sabe a origem do gato preto dar azar:


Os gatos eram muito reverenciados no Egito pois eram a representação da Deusa Bastet, deusa da maternidade, do leite e do parto. O gato preto em especial representava a sacralidade do poder de cura da Deusa. O culto à essa deusa era muito difundido e arraigado no Egito e região, por isso, quando houve a cristianização e a proibição da adoração de outras deidades e práticas, a deusa e tudo o que a representava foi demonizado para forçar, pela ignorância, a conversão das pessoas.
Toda superstição tem uma raiz histórica e muitas vezes alastra medo e violência. Gato preto é lindo e quem cruzar com um hoje, parabéns pela sorte, a Deusa da maternidade e da vida pode estar lhe enviando bençãos.

terça-feira, 4 de março de 2014

O empoderamento feminino e a escolha da espiritualidade

As imagens femininas nas mais diversas religiões foram diminuídas, humilhadas, mortas, expulsas, cometeram erros imperdoáveis ou atos de traição, foram violadas, raptadas, etc... As deusas e personagens mitológicas, quando dignas de respeito, são representadas como submissas, castas, mães dedicadas, portadoras de um amor incondicional e auto-sacrificante, sendo praticamente assexuadas. Na verdade, ao estudarmos a mitologia mais a fundo, veremos que as deusas eram todas muito poderosas e veneradas em um passado mais remoto.
Na mentalidade daquele que detém o poder, conquistar servos que verdadeiramente creiam em sua superioridade faz parte das táticas de guerra e dominação. No período do Império Romano foi ditada uma ordem de extermínio a todos aqueles que cultuassem outras divindades que não as suas, e por isso os druidas, sacerdotes celtas, foram largamente cassados e assassinados e suas divindades "romanizadas". Nesse acontecimento histórico relativamente recente em aspectos mitológicos, podemos observar parte do processo de aculturação forçada, tática já utilizada inúmeras outras vezes.
Apenas exemplificando como as pessoas tiveram que, forçadamente, renunciar ao Sagrado Feminino,  vou citar como se deu a mudança da visão da deusa Hécate, conhecida na mitologia grega de hoje como padroeira das parteiras e das encruzilhadas:

Hécate

Hécate é uma das mais antigas deusas tríplices, tendo derivado da deusa parteira egípcia Heket, "aquela que ajuda a parir o Sol". De acordo com Barbara Walker, o nome dessa deusa deriva de "Heq", nome dado à matriarca tribal do Egito pré-dinástico, aquela que é a mulher sábia.
Na crença pré-olímpica, Hécate é uma das divindades trinas que rege os céus, a terra e o submundo. Os helenos deram ênfase ao seu aspecto de anciã, como aquela que rege a magia, a divinação e que protegia os viajantes. 
No início da Idade Média passou a ser conhecida como Rainha das Bruxas. Foi diabolizada pelas autoridades católicas, para quem as pessoas mais perigosas que poderiam ser suas adoradoras seriam as parteiras. 

À partir da evolução mitológica que assistimos em relação a essa divindade, podemos verificar que houve um processo de diminuição de seu poder no decorrer da história: de parteira do Sol, divindade máxima no Egito pré-dinástico, passou a ser demonizada na Alta Idade Média.
Hécate, aquela escolhida pelas parteiras para proteger e guia-las durante o parto, passou a ser cassada. Mais tarde, com o advento da Inquisição, as mulheres que a cultuassem seriam julgadas e mortas.
As mulheres, que antes podiam adorar deuses do sexo feminino, a partir de então deveriam adorar apenas a divindade imposta pelo Patriarcado, o Deus bíblico, que criou Adão à sua imagem e semelhança.  Não apenas mulheres, mas também homens que adorassem outra divindade (acusados de heresia) seriam julgados de acordo com o Malleus Malleficarum, uma espécie guia dos inquisidores. O que mais marcou durante a história da Inquisição foi o número de heréticos do sexo feminino. Havia uma verdadeira cultura de ódio contra as mulheres propagada pela Santa Madre Igreja. Mulheres eram acusadas de heresia de acordo com seu modo de cozinhar, de coser as roupas, se apresentavam um comportamento sexual fora do estipulado eram acusadas de ter pactuado com o Diabo, se conheciam as ervas para curar eram acusadas de feitiçaria, muitas que tinham algum tipo de doença mental eram acusadas de ser possuídas pelo Diabo.

Todos os conhecimentos que eram do domínio das mulheres foram invadidos e minuciosamente controlados, sendo sua espiritualidade, sua personalidade ou sua relação íntima com a natureza. 
A mulher teve seu contato com o Sagrado Feminino roubado, e à partir daí teve que adorar a um Deus que não poderia compreender suas experiências. É realmente muito difícil para uma mulher que deseja apoio espiritual espelhar-se em uma divindade que não a empodere, que a demoniza e que não a represente. As mulheres precisam de referências que mostrem a elas seu potencial, daí a importância da conscientização do Sagrado Feminino.
Mulheres que não aprendem sobre seu poder espiritual vivem uma vida isenta dele, já que têm como referência apenas figuras masculinas. Passam a ser não sujeitos de mudança, mas sim objetos, ou então passam suas vidas sendo movidas pelas circunstâncias.

Diversas estatuetas de vênus

As estatuetas de vênus, que no passado representavam a sacralidade feminina, renasceram do útero telúrico, frio e úmido da Terra, foram trazidas de volta pela Arqueologia, e com elas as mulheres passaram a ter com o tempo e com muitas conquistas o direito de escolher uma representação divina que as complete, que compreenda suas experiências como o parto, a menstruação, a sexualidade, o relacionamento com o sexo masculino, o relacionamento íntimo com a Terra, seus ciclos, o relacionar-se com seu corpo, etc.
Por isso faço um convite de, nesse Dia Internacional da Mulher, entrarmos em contato com o Sagrado Feminino, seja realizando uma pequena meditação, seja tentando compreender um pouco mais o feminino, seja estudando sobre alguma deusa sobre a qual nos interessamos, e esse convite é válido para homens e mulheres.



Fontes:

Rubra Força - Fluxos do poder feminino - Monika Von Koss
Malleus Malleficarum -  Henrich Kramer e Jacob Sprenger

segunda-feira, 3 de março de 2014

O retorno da Deusa

Psicólogos clínicos têm observado a forte presença de figuras femininas em sonhos, manifestações da anima em pacientes do sexo masculino, aparições de arquétipos como da Grande Mãe e de outras figuras mitológicas femininas na psique das pessoas. Recentemente, tem havido fortes manifestações espirituais de santas e de deidades femininas nas mais diversas religiões, além disso, o movimento conhecido como espiritualidade feminina tem crescido. Nas artes, o feminino também tem aparecido de formas mais diversificadas: em poesias, na música, em pinturas, no cinema e no teatro. A mulher e o feminino são temas que tem sido explorados na Filosofia, na Psicologia e nos mais diversos campos científicos.
Esse fenômeno foi denominado por Edward C. Withmont como “O retorno da Deusa”.

Figura Gestalt da Mãe Natureza

Arquétipos fazem emergir de nosso psiquismo conteúdos emocionais muito profundos, auxiliando a trazer respostas. Existe grande dificuldade para o Ego moderno lidar com um conceito tão além do abstrato, chega a soar pagão e místico pra algumas pessoas. Independente das diversas crenças espirituais existentes, as conclusões de Jung acerca do tema foram baseadas em atendimentos clínicos, literatura sobre diversos assuntos,  em suas viagens por diversas partes do mundo, nas quais teve a possibilidade de entrar em contato com diversas culturas, estudando seus psiquismos. 
Para a Psicologia Analítica a psique objetiva a individuação, processo cunhado por Jung que significa a jornada da alma em busca da auto-realização e do desenvolvimento do potencial de todo ser. A psique, ao identificar determinado desequilíbrio irá ativar mecanismos para que chegue de forma mais clara possível a informação desse desajuste, de modo a chamar a atenção da pessoa para que providências sejam tomadas. Dentre os inúmeros mecanismos utilizados, a presença de determinadas figuras carregadas de forte carga emocional irá surgir em sonhos e mesmo no cotidiano do individuo. Tais figuras são os arquétipos, são padrões de comportamento.
Abaixo, um exemplo de uma situação de um desequilíbrio identificado pela psique:

Uma mulher de personalidade emotiva, submissa e dependente chega a um momento de sua vida em que precisa tomar certas decisões importantes. Além disso, depara-se frequentemente com dilemas que exijam frieza intelectual e ao tentar solucioná-los não se sai muito bem. Muito provavelmente seu psiquismo irá trabalhar para que a mulher tenha contato com figuras femininas fortes como a deusa Ártemis, a protetora da natureza e amazona grega. Talvez essa mulher comece a sonhar frequentemente com mulheres tomadoras de decisões ou com figuras intelectuais femininas, ou mesmo outras situações não-arquetípicas irão aparecer em seus sonhos.

A manifestação de todo e qualquer arquétipo é determinada por fatores culturais e históricos. O Retorno da Deusa é um fenômeno que só teve início graças a diversos acontecimentos históricos, como a intensificação no século XIX do estudo de culturas, mitos e crenças de diversos povos tribais pelo mundo, a descoberta do inconsciente por Freud e o Movimento Feminista no início do século XX.
Diante do niilismo, do sadismo e da forma cindida como temos nos relacionado com o mundo, com as pessoas e com nós mesmos, o Ego Patriarcal não mais dá conta, na psique das pessoas, da contenção da violência, da agressividade e do desejo. Os sonhos das pessoas são ricos em imagens de deusas e de seus consortes, vêm pedindo uma integração dos aspectos femininos e masculinos.  

Vivenciando o retorno da Deusa

Arquétipos de figuras pré-históricas femininas foram preservados no inconsciente coletivo e na imaginação de nossos antepassados como em contos de fadas, mitos, lendas e tradições. Essas memórias, que vem ressurgindo, clamam pela conscientização e pela vivência da sacralidade feminina.
Apenas esclarecendo um conceito, o termo "Deusa" nesse texto deve ser entendido como sinônimo de sacralidade feminina.
Para que você possa entrar em contato com a Deusa, você pode explorar aspectos como sua criatividade, contato com a Terra e com a natureza, o cuidar de outra pessoa ou de algo, seja uma horta, de sua casa ou de seu pet. Entre em contato com obras artísticas que explorem o feminino e procure observar o que o “ser mulher” representa em sua vida.
Se você desejar um contato mais espiritual, você pode montar um pequeno altar em sua honra com símbolos sagrados a ela como a concha do mar, espirais, luas de prata, pedras furadas, um cálice, etc.

Podemos dividir os arquétipos da Deusa em quatro principais. Cada um representa as quatro principais fases da vida da mulher. A virgem representa o início da menarca (a primeira menstruação), a mãe representa a maternidade e o contato com o leite materno, a anciã representa a menopausa (encerramento da fase reprodutiva) e a encantadora permeia a todas as fases, representa a agressividade, a sexualidade e a sensualidade da mulher.

A Virgem -  Os arquétipos que se manifestam nesse grupo são os das deusas virginais como Ártemis, Athena, Bast, Perséfone e Ostara. Nessa divisão, o conceito de virgindade não tem relação com a iniciação sexual, ser virgem significa aquela que não é casada.  Nessa manifestação da Deusa, ela aparece como jovens ou crianças que trazem a luz ou um novo começo. Personificam a jovialidade e energia, a independência e o despertar do potencial da vida.


Perséfone e a romã - ao ingerir  3 caroços de romã teve a obrigação de passar 6 meses no submundo e 6 meses junto a sua mãe, Deméter.

A Mãe – As deusas são Deméter, Inanna, Ísis, Nu Kwa, Pachamama, Tiamat, Maria e Cerridwen. As deusas mãe carregam uma forte carga de abundância, nutrição, acolhimento, cuidar, fertilidade, criatividade e família.


Pachamama - mãe dos povos andinos, é personificada pelas montanhas. 

A Anciã – A anciã aparece como nossa avó ou como uma velha: Sheila Na Gig, as Erínias, Hécate e Baba Yaga. Esse arquétipo representa transmutações, mudanças, aceitação das leis inexoráveis da natureza da vida e da morte, sabedoria e conhecimento.

Representação da deusa celta Sheila na Gig

A Encantadora – A encantadora, ou as deusas negras e sombrias, são Kali, Pomba-Gira, Lilith, Oxum e Freia. Representam a sombra da mulher, tudo aquilo que é reprimido e proibido: a sensualidade, a sexualidade, a autonomia, a agressividade. Quando esse aspecto se manifesta indica que é preciso mergulhar no desconhecido.


 Oxum - a deusa afro-brasileira das águas e da sensualidade

De acordo com Mirella Faur, um desafio para os que desejam entrar em contato com a Deusa é trazer à luz a verdade por trás dos mitos do feminino. O Patriarcado alterou e distorceu o poder das deusas e redescobri-las é algo que precisa ser feito, de modo que as limitações, proibições e tabus sejam revistos.

Nesse processo em andamento, do Retorno da Deusa, as mulheres serão empoderadas em seus direitos de parir, de tomar decisões sobre  seus corpos e de conhecê-los, sobre suas crenças, sobre sua espiritualidade, obre seus direitos sociais e políticos. Os homens também se beneficiarão, já que cada vez menos haverá a necessidade de externalizar padrões rígidos de masculinidade.

Fontes:

Círculos sagrados para mulheres contemporâneas - práticas, rituais e cerimônias para o resgate da sabedoria ancestral e a espiritualidade feminina - Mirella Faur
O Retorno da Deusa - Edward C. Withmont
O oráculo da deusa - Um novo método de adivinhação - Amy Sophia Marashinsky

sábado, 1 de março de 2014

Matriarcado e Patriarcado


Aprendemos na escola conceitos que guardamos pela vida toda e que permanecem inquestionáveis e são naturalizados. Aprendemos que a cultura humana sempre foi a do mais forte, daquele que tem a força física e superioridade intelectual. Tais ideias são embasadas principalmente pelo Darwinismo, pelo pensamento de Platão e pela filosofia de Descartes. Darwin foi aquele que trouxe à humanidade uma grande ferida narcisica, já que tirou o ser humano do centro do universo e o colocou em um lugar que faz parte de um todo, aquele que veio do macaco, porém, ainda assim o ser humano permaneceu como o topo da pirâmide, como a estrutura mais evoluída e complexa que a natureza criou.
Descartes desenvolveu a ideia da cisão do ser humano em razão versus emoção, sendo a razão superior, como reforçou o pensamento platônico do mundo das ideias.
A partir desses conceitos, unidos a concepções religiosas judaico-cristãs e romanas, a mulher foi inferiorizada intelectualmente, a força física (a ideia do mais forte) foi sobrepujada e tais pensamentos naturalizados. Hoje, desde o início de suas vidas  meninas aprendem a brincar de boneca e de casinha e meninos utilizam brinquedos violentos ou que permitam que movimentem livremente seus corpos, como correr e pular.
A teoria da existência do Matriarcado teve inicio a partir de estudos antropológicos e da descoberta de objetos pela arqueologia, como armaduras e armas projetados especialmente para mulheres na região nórdica, estatuetas de divindades femininas, com seios, quadril e vagina proeminentes e posteriormente a partir de descobertas no campo da mitologia, como a difamação mitológica, termo cunhado por Joseph Campbell, o que significa que divindades femininas fortemente cultuadas no passado foram no decorrer do tempo sendo reduzidas a divindades menores, a espiritos inferiores, a demonios , aparecendo como dominadas ou humilhadas nas mitologias de diversos povos pelo mundo.

Estudiosos como James Frazer, J. J. Bachofen, Robert Graves e Marija Gimbutas desenvolveram uma teoria que afirmava que todas as divindades europeias tinham origem em uma Deusa Mãe primordial.
J. J. Bachofen, ainda no século XIX, publicou seu livro "Mito, religião e os direitos da Mãe" que demonstra a existência de uma sociedade cujo centro era feminino. Suas ideias sofreram influencias do darwinismo social, pensamento aceito por quase totalidade dos pensadores da época, mas contribuiram fortemente para o assunto, tornando se Bachofen o precursor  de teorias posteriores sobre o Matriarcado.
Marija Gimbutas, à partir do estudo de descobertas pré-históricas de diversas zonas do mundo, percebeu que houve uma matriz arqueológica diversa do Patriarcado, anterior a este. De acordo com ela, essa sociedade foi posteriormente dominada por um povo indo-europeu nômade e guerreiro, teoria conhecida como Hipótese Kurgan, que foi posteriormente refutada por alguns estudiosos.
A teoria de Gimbutas foi construída a partir de conclusões de diversos campos da ciência,  por isso é a teoria mais completa sobre as sociedades matriarcais. O método de pesquisa utilizado foi criado por ela, denominado arqueomitologia; este unia conhecimentos genéticos, arqueológicos, históricos, linguísticos e mitológicos.

Matriarcado e Patriarcado são organizações sociais onde a mulher-mãe tem um lugar central na comunidade e onde o homem-pai tem esse papel dominante, respectivamente. Aspectos como transmissão de bens e de fontes de sustento, autoridade sobre a família e comunidade, identificação das crianças à partir do nome da mãe/pai caracterizam a organização da comunidade.
É muito importante que fique claro que o matriarcado não é caracterizado pela dominação (palavra cujo significado mais presente tem sentido de violação) do homem pela mulher. Havia uma superioridade  hierárquica mas que não deve ser entendida como a dos dias de hoje, caracterizada pela misoginia (violação dos direitos das mulheres), mesmo porque vivemos em uma cultura patriarcal com conceitos diferentes dos matriarcais. A inferiorização da mulher nos dias de hoje é determinada por fenômenos históricos diversos; é caracterizada por violência sexual, sentimento de posse, diminuição intelectual, restrição de direitos, etc, o que não deve ser comparado com a superioridade hierárquica social da mulher daquele período.  É preciso que se entenda a psique de determinado povo para que se compreenda o significado dos papéis sociais e as configurações de relacionamento de seus integrantes, assunto que será abordado em outro post.
Além disso, o matriarcado não deve ser romantizado como se fosse uma época na qual não existissem conflitos, sendo uma mundo perfeito, como afirmam alguns autores e autoras.


Características do matriarcado:

Transmissão dos bens da mãe para a filha - os bens eram transmitidos das mães para as filhas, e as mulheres eram o centro da sociedade matriarcal. Lembrando que sendo o centro não significa que a violência ao sexo masculino era legitimada. De acordo com as conclusões de Gimbutas, não havia esse tipo de violência.

Sociedade pacífica - Para Gimbutas, as sociedades matriarcais eram pacíficas já que era uma cultura dos caçadores-coletores (Era Neolítica). Havia igualdade entre os gêneros e acolhimento de homossexuais.

Liberdade sexual - Não havia o conceito de virgindade, a população era sexualmente livre; homens e mulheres eram incentivados a praticar a masturbação. Isso era fundamental para que ambos mostrassem sua fertilidade, importante para a sobrevivência e perpetuação da espécie.É importante que se entenda que o Matriarcado não se restringia ao culto à fertilidade no sentido meramente sexual. Na verdade esta é uma leitura patriarcal, já que o culto à fertilidade engloba aspectos como veneração à vida, à criatividade e aos ciclos da natureza. Meninos e meninas eram iniciados em sua sexualidade em rituais de passagem extremamente importantes.
Poderia haver relações sexuais extra-matrimoniais em determinadas ocasiões, como em algumas festas.
A ideia sobre o orgasmo era totalmente diferente da que temos hoje. O orgasmo era entendido como uma situação em que se entrava em contato com a Grande Deusa.

Características do Patriarcado:

A propriedade privada reforçada - A propriedade privada foi fortemente valorizada e seu acúmulo estimulado. Esse pensamento se estendia também a pessoas (como esposas, escravos e filhos) e ao domínio e exploração da natureza.

Controle sexual- a mulher teve seus direitos sexuais reduzidos e sua sexualidade intensamente reprimida,  sua vida sexual passou a ser restrita, e à partir da monogamia a transmissão dos bens do pai aos verdadeiros herdeiros sanguíneos deste foi garantida. Um importante aspecto do Patriarcado é que o homem demonstre sua sexualidade, provando à comunidade a posse legítima de seus bens.

Sociedade bélica - o acúmulo de bens materiais e uma sociedade rigidamente hierarquizada, que  garantisse a permanência do patriarca em seu lugar de poder, estimulou conflitos.

Supremacia das divindades masculinas - a força do deus masculino foi tão firmada que ele próprio ficou encarregado da criação de seus filhos, como nos mitos de criação da humanidade judaico-cristãos, nos quais sem a parceria de uma deusa concebe a humanidade. Outro mito onde isso aparece é o da criação da deusa Athena por Zeus. Athena era a deusa do intelecto e padroeira da guerra e nasceu da cabeça de Zeus, sendo a divindade mais fiel a seu pai.


Transição matriarcado-patriarcado


Deusa Tiamat sendo morta por Marduk

Um acontecimento mitológico que exemplifica esse fenômeno é o da Deusa Tiamat sendo assassinada pelo deus hebreu Marduk, ou a expulsão de Lilith do paraíso por Deus (no primeiro testamento). Tais mitos justificam, através de uma ordem divina,  a nova supremacia e valida uma nova ordem social e psicológica.
Historicamente, não se sabe como se deu essa transição, mesmo porque a antropologia moderna tem sua opinião em constante mudança sobre a aceitação da teoria do matriarcado. Opiniões acerca do assunto oscilam entre aceitação e rejeição no mundo acadêmico. Timothy Taylor, arqueólogo britânico, afirma que a teoria do matriarcado é seguida minoritariamente pelos estudiosos, mas que outras evidências deixam margens para dúvidas, o que implica em dados inconclusivos do assunto, impedindo que haja um consenso.
Sobre a transição de uma organização social para outra, existem teorias, como  hipótese Kurgan de Marija Gimbutas e a hipótese de Engels, fortemente influenciada pela darwinismo social, por isso também já muito questionada. Nesta última, o surgimento da propriedade privada e seu acúmulo teve grande importância para a dominação do poder das mulheres pelos homens. Outros teóricos afirmam que com a descoberta do papel reprodutivo do homem este reclamou por um lugar de maior importância, o que deu origem à dominação masculina.



Fontes:

Rubra Força - Monika von Koss
La linguage de la Dea - Marija Gimbutas
A origem da Familia, da propriedade privada e do Estado - F. Engels
Feminino+Masculino - uma nova coreografia para a eterna dança das polaridades - Monika Von Koss