segunda-feira, 3 de março de 2014

O retorno da Deusa

Psicólogos clínicos têm observado a forte presença de figuras femininas em sonhos, manifestações da anima em pacientes do sexo masculino, aparições de arquétipos como da Grande Mãe e de outras figuras mitológicas femininas na psique das pessoas. Recentemente, tem havido fortes manifestações espirituais de santas e de deidades femininas nas mais diversas religiões, além disso, o movimento conhecido como espiritualidade feminina tem crescido. Nas artes, o feminino também tem aparecido de formas mais diversificadas: em poesias, na música, em pinturas, no cinema e no teatro. A mulher e o feminino são temas que tem sido explorados na Filosofia, na Psicologia e nos mais diversos campos científicos.
Esse fenômeno foi denominado por Edward C. Withmont como “O retorno da Deusa”.

Figura Gestalt da Mãe Natureza

Arquétipos fazem emergir de nosso psiquismo conteúdos emocionais muito profundos, auxiliando a trazer respostas. Existe grande dificuldade para o Ego moderno lidar com um conceito tão além do abstrato, chega a soar pagão e místico pra algumas pessoas. Independente das diversas crenças espirituais existentes, as conclusões de Jung acerca do tema foram baseadas em atendimentos clínicos, literatura sobre diversos assuntos,  em suas viagens por diversas partes do mundo, nas quais teve a possibilidade de entrar em contato com diversas culturas, estudando seus psiquismos. 
Para a Psicologia Analítica a psique objetiva a individuação, processo cunhado por Jung que significa a jornada da alma em busca da auto-realização e do desenvolvimento do potencial de todo ser. A psique, ao identificar determinado desequilíbrio irá ativar mecanismos para que chegue de forma mais clara possível a informação desse desajuste, de modo a chamar a atenção da pessoa para que providências sejam tomadas. Dentre os inúmeros mecanismos utilizados, a presença de determinadas figuras carregadas de forte carga emocional irá surgir em sonhos e mesmo no cotidiano do individuo. Tais figuras são os arquétipos, são padrões de comportamento.
Abaixo, um exemplo de uma situação de um desequilíbrio identificado pela psique:

Uma mulher de personalidade emotiva, submissa e dependente chega a um momento de sua vida em que precisa tomar certas decisões importantes. Além disso, depara-se frequentemente com dilemas que exijam frieza intelectual e ao tentar solucioná-los não se sai muito bem. Muito provavelmente seu psiquismo irá trabalhar para que a mulher tenha contato com figuras femininas fortes como a deusa Ártemis, a protetora da natureza e amazona grega. Talvez essa mulher comece a sonhar frequentemente com mulheres tomadoras de decisões ou com figuras intelectuais femininas, ou mesmo outras situações não-arquetípicas irão aparecer em seus sonhos.

A manifestação de todo e qualquer arquétipo é determinada por fatores culturais e históricos. O Retorno da Deusa é um fenômeno que só teve início graças a diversos acontecimentos históricos, como a intensificação no século XIX do estudo de culturas, mitos e crenças de diversos povos tribais pelo mundo, a descoberta do inconsciente por Freud e o Movimento Feminista no início do século XX.
Diante do niilismo, do sadismo e da forma cindida como temos nos relacionado com o mundo, com as pessoas e com nós mesmos, o Ego Patriarcal não mais dá conta, na psique das pessoas, da contenção da violência, da agressividade e do desejo. Os sonhos das pessoas são ricos em imagens de deusas e de seus consortes, vêm pedindo uma integração dos aspectos femininos e masculinos.  

Vivenciando o retorno da Deusa

Arquétipos de figuras pré-históricas femininas foram preservados no inconsciente coletivo e na imaginação de nossos antepassados como em contos de fadas, mitos, lendas e tradições. Essas memórias, que vem ressurgindo, clamam pela conscientização e pela vivência da sacralidade feminina.
Apenas esclarecendo um conceito, o termo "Deusa" nesse texto deve ser entendido como sinônimo de sacralidade feminina.
Para que você possa entrar em contato com a Deusa, você pode explorar aspectos como sua criatividade, contato com a Terra e com a natureza, o cuidar de outra pessoa ou de algo, seja uma horta, de sua casa ou de seu pet. Entre em contato com obras artísticas que explorem o feminino e procure observar o que o “ser mulher” representa em sua vida.
Se você desejar um contato mais espiritual, você pode montar um pequeno altar em sua honra com símbolos sagrados a ela como a concha do mar, espirais, luas de prata, pedras furadas, um cálice, etc.

Podemos dividir os arquétipos da Deusa em quatro principais. Cada um representa as quatro principais fases da vida da mulher. A virgem representa o início da menarca (a primeira menstruação), a mãe representa a maternidade e o contato com o leite materno, a anciã representa a menopausa (encerramento da fase reprodutiva) e a encantadora permeia a todas as fases, representa a agressividade, a sexualidade e a sensualidade da mulher.

A Virgem -  Os arquétipos que se manifestam nesse grupo são os das deusas virginais como Ártemis, Athena, Bast, Perséfone e Ostara. Nessa divisão, o conceito de virgindade não tem relação com a iniciação sexual, ser virgem significa aquela que não é casada.  Nessa manifestação da Deusa, ela aparece como jovens ou crianças que trazem a luz ou um novo começo. Personificam a jovialidade e energia, a independência e o despertar do potencial da vida.


Perséfone e a romã - ao ingerir  3 caroços de romã teve a obrigação de passar 6 meses no submundo e 6 meses junto a sua mãe, Deméter.

A Mãe – As deusas são Deméter, Inanna, Ísis, Nu Kwa, Pachamama, Tiamat, Maria e Cerridwen. As deusas mãe carregam uma forte carga de abundância, nutrição, acolhimento, cuidar, fertilidade, criatividade e família.


Pachamama - mãe dos povos andinos, é personificada pelas montanhas. 

A Anciã – A anciã aparece como nossa avó ou como uma velha: Sheila Na Gig, as Erínias, Hécate e Baba Yaga. Esse arquétipo representa transmutações, mudanças, aceitação das leis inexoráveis da natureza da vida e da morte, sabedoria e conhecimento.

Representação da deusa celta Sheila na Gig

A Encantadora – A encantadora, ou as deusas negras e sombrias, são Kali, Pomba-Gira, Lilith, Oxum e Freia. Representam a sombra da mulher, tudo aquilo que é reprimido e proibido: a sensualidade, a sexualidade, a autonomia, a agressividade. Quando esse aspecto se manifesta indica que é preciso mergulhar no desconhecido.


 Oxum - a deusa afro-brasileira das águas e da sensualidade

De acordo com Mirella Faur, um desafio para os que desejam entrar em contato com a Deusa é trazer à luz a verdade por trás dos mitos do feminino. O Patriarcado alterou e distorceu o poder das deusas e redescobri-las é algo que precisa ser feito, de modo que as limitações, proibições e tabus sejam revistos.

Nesse processo em andamento, do Retorno da Deusa, as mulheres serão empoderadas em seus direitos de parir, de tomar decisões sobre  seus corpos e de conhecê-los, sobre suas crenças, sobre sua espiritualidade, obre seus direitos sociais e políticos. Os homens também se beneficiarão, já que cada vez menos haverá a necessidade de externalizar padrões rígidos de masculinidade.

Fontes:

Círculos sagrados para mulheres contemporâneas - práticas, rituais e cerimônias para o resgate da sabedoria ancestral e a espiritualidade feminina - Mirella Faur
O Retorno da Deusa - Edward C. Withmont
O oráculo da deusa - Um novo método de adivinhação - Amy Sophia Marashinsky

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