sábado, 1 de março de 2014

Matriarcado e Patriarcado


Aprendemos na escola conceitos que guardamos pela vida toda e que permanecem inquestionáveis e são naturalizados. Aprendemos que a cultura humana sempre foi a do mais forte, daquele que tem a força física e superioridade intelectual. Tais ideias são embasadas principalmente pelo Darwinismo, pelo pensamento de Platão e pela filosofia de Descartes. Darwin foi aquele que trouxe à humanidade uma grande ferida narcisica, já que tirou o ser humano do centro do universo e o colocou em um lugar que faz parte de um todo, aquele que veio do macaco, porém, ainda assim o ser humano permaneceu como o topo da pirâmide, como a estrutura mais evoluída e complexa que a natureza criou.
Descartes desenvolveu a ideia da cisão do ser humano em razão versus emoção, sendo a razão superior, como reforçou o pensamento platônico do mundo das ideias.
A partir desses conceitos, unidos a concepções religiosas judaico-cristãs e romanas, a mulher foi inferiorizada intelectualmente, a força física (a ideia do mais forte) foi sobrepujada e tais pensamentos naturalizados. Hoje, desde o início de suas vidas  meninas aprendem a brincar de boneca e de casinha e meninos utilizam brinquedos violentos ou que permitam que movimentem livremente seus corpos, como correr e pular.
A teoria da existência do Matriarcado teve inicio a partir de estudos antropológicos e da descoberta de objetos pela arqueologia, como armaduras e armas projetados especialmente para mulheres na região nórdica, estatuetas de divindades femininas, com seios, quadril e vagina proeminentes e posteriormente a partir de descobertas no campo da mitologia, como a difamação mitológica, termo cunhado por Joseph Campbell, o que significa que divindades femininas fortemente cultuadas no passado foram no decorrer do tempo sendo reduzidas a divindades menores, a espiritos inferiores, a demonios , aparecendo como dominadas ou humilhadas nas mitologias de diversos povos pelo mundo.

Estudiosos como James Frazer, J. J. Bachofen, Robert Graves e Marija Gimbutas desenvolveram uma teoria que afirmava que todas as divindades europeias tinham origem em uma Deusa Mãe primordial.
J. J. Bachofen, ainda no século XIX, publicou seu livro "Mito, religião e os direitos da Mãe" que demonstra a existência de uma sociedade cujo centro era feminino. Suas ideias sofreram influencias do darwinismo social, pensamento aceito por quase totalidade dos pensadores da época, mas contribuiram fortemente para o assunto, tornando se Bachofen o precursor  de teorias posteriores sobre o Matriarcado.
Marija Gimbutas, à partir do estudo de descobertas pré-históricas de diversas zonas do mundo, percebeu que houve uma matriz arqueológica diversa do Patriarcado, anterior a este. De acordo com ela, essa sociedade foi posteriormente dominada por um povo indo-europeu nômade e guerreiro, teoria conhecida como Hipótese Kurgan, que foi posteriormente refutada por alguns estudiosos.
A teoria de Gimbutas foi construída a partir de conclusões de diversos campos da ciência,  por isso é a teoria mais completa sobre as sociedades matriarcais. O método de pesquisa utilizado foi criado por ela, denominado arqueomitologia; este unia conhecimentos genéticos, arqueológicos, históricos, linguísticos e mitológicos.

Matriarcado e Patriarcado são organizações sociais onde a mulher-mãe tem um lugar central na comunidade e onde o homem-pai tem esse papel dominante, respectivamente. Aspectos como transmissão de bens e de fontes de sustento, autoridade sobre a família e comunidade, identificação das crianças à partir do nome da mãe/pai caracterizam a organização da comunidade.
É muito importante que fique claro que o matriarcado não é caracterizado pela dominação (palavra cujo significado mais presente tem sentido de violação) do homem pela mulher. Havia uma superioridade  hierárquica mas que não deve ser entendida como a dos dias de hoje, caracterizada pela misoginia (violação dos direitos das mulheres), mesmo porque vivemos em uma cultura patriarcal com conceitos diferentes dos matriarcais. A inferiorização da mulher nos dias de hoje é determinada por fenômenos históricos diversos; é caracterizada por violência sexual, sentimento de posse, diminuição intelectual, restrição de direitos, etc, o que não deve ser comparado com a superioridade hierárquica social da mulher daquele período.  É preciso que se entenda a psique de determinado povo para que se compreenda o significado dos papéis sociais e as configurações de relacionamento de seus integrantes, assunto que será abordado em outro post.
Além disso, o matriarcado não deve ser romantizado como se fosse uma época na qual não existissem conflitos, sendo uma mundo perfeito, como afirmam alguns autores e autoras.


Características do matriarcado:

Transmissão dos bens da mãe para a filha - os bens eram transmitidos das mães para as filhas, e as mulheres eram o centro da sociedade matriarcal. Lembrando que sendo o centro não significa que a violência ao sexo masculino era legitimada. De acordo com as conclusões de Gimbutas, não havia esse tipo de violência.

Sociedade pacífica - Para Gimbutas, as sociedades matriarcais eram pacíficas já que era uma cultura dos caçadores-coletores (Era Neolítica). Havia igualdade entre os gêneros e acolhimento de homossexuais.

Liberdade sexual - Não havia o conceito de virgindade, a população era sexualmente livre; homens e mulheres eram incentivados a praticar a masturbação. Isso era fundamental para que ambos mostrassem sua fertilidade, importante para a sobrevivência e perpetuação da espécie.É importante que se entenda que o Matriarcado não se restringia ao culto à fertilidade no sentido meramente sexual. Na verdade esta é uma leitura patriarcal, já que o culto à fertilidade engloba aspectos como veneração à vida, à criatividade e aos ciclos da natureza. Meninos e meninas eram iniciados em sua sexualidade em rituais de passagem extremamente importantes.
Poderia haver relações sexuais extra-matrimoniais em determinadas ocasiões, como em algumas festas.
A ideia sobre o orgasmo era totalmente diferente da que temos hoje. O orgasmo era entendido como uma situação em que se entrava em contato com a Grande Deusa.

Características do Patriarcado:

A propriedade privada reforçada - A propriedade privada foi fortemente valorizada e seu acúmulo estimulado. Esse pensamento se estendia também a pessoas (como esposas, escravos e filhos) e ao domínio e exploração da natureza.

Controle sexual- a mulher teve seus direitos sexuais reduzidos e sua sexualidade intensamente reprimida,  sua vida sexual passou a ser restrita, e à partir da monogamia a transmissão dos bens do pai aos verdadeiros herdeiros sanguíneos deste foi garantida. Um importante aspecto do Patriarcado é que o homem demonstre sua sexualidade, provando à comunidade a posse legítima de seus bens.

Sociedade bélica - o acúmulo de bens materiais e uma sociedade rigidamente hierarquizada, que  garantisse a permanência do patriarca em seu lugar de poder, estimulou conflitos.

Supremacia das divindades masculinas - a força do deus masculino foi tão firmada que ele próprio ficou encarregado da criação de seus filhos, como nos mitos de criação da humanidade judaico-cristãos, nos quais sem a parceria de uma deusa concebe a humanidade. Outro mito onde isso aparece é o da criação da deusa Athena por Zeus. Athena era a deusa do intelecto e padroeira da guerra e nasceu da cabeça de Zeus, sendo a divindade mais fiel a seu pai.


Transição matriarcado-patriarcado


Deusa Tiamat sendo morta por Marduk

Um acontecimento mitológico que exemplifica esse fenômeno é o da Deusa Tiamat sendo assassinada pelo deus hebreu Marduk, ou a expulsão de Lilith do paraíso por Deus (no primeiro testamento). Tais mitos justificam, através de uma ordem divina,  a nova supremacia e valida uma nova ordem social e psicológica.
Historicamente, não se sabe como se deu essa transição, mesmo porque a antropologia moderna tem sua opinião em constante mudança sobre a aceitação da teoria do matriarcado. Opiniões acerca do assunto oscilam entre aceitação e rejeição no mundo acadêmico. Timothy Taylor, arqueólogo britânico, afirma que a teoria do matriarcado é seguida minoritariamente pelos estudiosos, mas que outras evidências deixam margens para dúvidas, o que implica em dados inconclusivos do assunto, impedindo que haja um consenso.
Sobre a transição de uma organização social para outra, existem teorias, como  hipótese Kurgan de Marija Gimbutas e a hipótese de Engels, fortemente influenciada pela darwinismo social, por isso também já muito questionada. Nesta última, o surgimento da propriedade privada e seu acúmulo teve grande importância para a dominação do poder das mulheres pelos homens. Outros teóricos afirmam que com a descoberta do papel reprodutivo do homem este reclamou por um lugar de maior importância, o que deu origem à dominação masculina.



Fontes:

Rubra Força - Monika von Koss
La linguage de la Dea - Marija Gimbutas
A origem da Familia, da propriedade privada e do Estado - F. Engels
Feminino+Masculino - uma nova coreografia para a eterna dança das polaridades - Monika Von Koss

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